Conhecendo mais sobre o Exame de Hematócrito

Atualmente é comum encontrarmos em centros de treinamento, studs e cocheiras que hospedam cavalos da raça American Trotter centrífugas de microhematócrito e pessoas que sabem como realizar este exame. De certa forma, ele realmente é simples de realizar e pode nos auxiliar muito para um melhor preparo dos nossos cavalos.  

Tão importante quanto saber realizar e interpretar este exame é coletar o sangue do animal de maneira correta, portanto, para realizarmos o exame de hematócrito devemos ter alguns cuidados, pois os equinos apresentam algumas particularidades que devemos levar em conta quando formos coletar o sangue dos animais. As hemácias circulantes no sangue são altamente instáveis devido à grande reserva delas no baço, que prontamente se contrai sob influência de emoções, medo ou atividade muscular, liberando as hemácias para a circulação.

Quando isto ocorre, em questão de minutos o hematócrito e a contagem de hemácias podem subir em até 30%. Ou seja, um hematócrito de 40% pode subir para 52% se o animal estiver assustado ou nervoso por qualquer motivo.

Por isso, prefiro coletar o sangue dos animais pela manhã, em média, duas horas após fornecer o alimento, com o animal dentro da baia, antes de escovar ou trabalhar. O animal deve estar calmo, se o tratador for capaz de coletar o sangue, este é o melhor caminho, pois o cavalo está familiarizado com ele.

A coleta deve ser feita por punção da jugular em tubo de sangue para coleta a vácuo com tampa roxa, que utiliza o EDTA como anticoagulante. Após a coleta, o tubo deve ser agitado suavemente por inversão várias vezes para que se obtenha uma mistura homogênea do sangue com o anticoagulante, para realizarmos o hematócrito o sangue deve ser obrigatoriamente coletado neste tubo, pois contém o anticoagulante, após a coleta o material deve ser mantido refrigerado até o momento da realização do exame.

O exame de hematócrito pode ser realizado em laboratórios especializados ou no próprio local onde o animal está alojado, para isso devemos ter uma centrífuga de micro hematócrito (foto 1) que deve girar a uma força de 10.000 RPM (rotações por minuto) durante 05 minutos. Esta força e este tempo são suficientes para realizar o exame, sempre lembrando de homogeneizar, agitar suavemente a amostra, tampar uma das pontas do tubo capilar com massa adequada, colocar os tubos capilares balanceados na centrífuga após o término do tempo o que teremos é um aglomerado de glóbulos vermelhos, um anel de cor branca acinzentada, que seriam os leucócitos, e uma parte mais clara amarelada, que seria o plasma composto na sua maior parte de água (figura 02) após este processo devemos realizar a leitura em uma tabela adequada (figura 03).

Após a leitura teremos o resultado do hematócrito que é uma medida (em porcentagem) da quantidade de glóbulos vermelhos (eritrócitos) em relação ao resto do sangue, do ponto de vista prático, podemos dizer que o hematócrito é a quantidade de hemácias presente no sangue.

As hemácias são constituídas basicamente por globulina e hemoglobina, a hemoglobina é responsável pelo transporte de oxigênio e gás carbônico. Liga-se ao oxigênio nos pulmões e o entrega aos tecidos, além de facilitar a excreção do gás carbônico.

As hemácias são produzidas em um processo contínuo na medula óssea vermelha dos ossos longos, ferro, vitaminas como B12, B6 e acido fólico, minerais como o cobre e o cobalto devem estar presentes na dieta do animal em quantidades suficientes para a produção de hemácias a falta destas vitaminas e minerais pode causar anemia.

O hormônio responsável pela regulação da taxa de produção das hemácias é chamado de eritropoetina (EP ou EPO). Ele é produzido nos rins e o estimulo para sua produção é a hipóxia tecidual, ou seja, baixa oxigenação tecidual.

Nos equinos a vida média de uma hemácia é de 150 dias, devemos levar em conta que todo dia milhares de hemácias estão sendo produzidas e retiradas da corrente sanguínea em um ciclo continuo, a hemácia é retirada da circulação através do baço, na realidade ela não é destruída ela é divida uma parte é reaproveitada (aminoácidos e ferro), e as outras são eliminadas.

O número do hematócrito de cada animal depende da sua utilização e cada raça de cavalo tem sua particularidade, os cavalos da raça Árabe que participam de enduro, ou seja, uma prova de longa duração e baixa intensidade tendem a ter o hematócrito menor que os nossos cavalos da raça American Trotter, já os cavalos da raça Quarto de Milha que participam de provas de explosão alta intensidade e curta duração tendem a ter o hematócrito mais alto que os nossos cavalos. O hematócrito está relacionado também com o manejo do animal, dificilmente iremos conseguir manter alto o hematócrito de um animal que fica estabulado ou solto ao pasto e não é “trabalhado” ou esta disputando corridas pois fisiologicamente seu organismo não necessita ter um número de hemácias elevada para manter suas funções vitais normais. 

Acredito que um hematócrito ideal para um cavalo da raça American Trotter em corrida esteja entre 38% e 42%, um número muito menor que este pode prejudicar a perfusão (oxigenação) dos tecidos em um cavalo de corrida e um número muito maior pode tornar o sangue viscoso e aumentar o risco de hemorragias pulmonares e problemas circulatórios.

Alguns fatores podem fazer o número do hematócrito aumentar ou diminuir:

  • Fluidoterapia (administração pela veia de soro) dependendo da quantidade pode causar uma hemodiluição e ocorrer uma diminuição do hematócrito.
  • Utilização de corticoides como dexametazona, estes tendem a reter liquido com isto pode ocorrer uma diminuição no número do hematócrito.
  • Doenças que causam hemólise (quebra das hemácias) como Babesiose (theileria) e leptospirose causam diminuição de hematócrito.
  • Hemorragias que podem ser agudas ou crônicas causam perda de sangue e por consequência queda do hematócrito.
  • Animais estabulados ou treinados em altas altitudes em relação ao nível do mar tendem a produzir mais hemácias e por consequência tem aumento no número do hematócrito.
  • Animais suplementados com excesso de vitamina B12 e ferro podem apresentar um aumento no hematócrito.
  • Cavalos que apresentam overtraining (excesso de trabalho) tendem a ter aumento do hematócrito.

O hematócrito é um exame simples e fácil de ser realizado, podendo nos auxiliar no preparo de nossos cavalos, exames repetidos podem nos ajudar a detectar problemas precocemente como babesiose e overtraining, claro que não é somente o hematócrito que vai nos indicar se um cavalo está apto ou não para desempenhar bem sua função nas corridas. Um cavalo que possui um hematócrito de 40% porem não está bem treinado ou apresenta alguma claudicação não vai mostrar todo seu potencial, portanto devemos realizar este exame, mas não devemos se tornar “refém” deste exame, tive oportunidade de trabalhar com um animal que apresentava hematócrito entre 35% a 38% e ganhou a maioria das principais corridas no ano, em contrapartida trabalhei com um cavalo que apresentava hematócrito de 45% e quebrou o recorde da pista na sua época, cada cavalo tem uma particularidade e devemos encontrar o melhor resultado para cada animal.

Colaboração: Bruno Ramos Perez, Crmv-sp: 22.652. Telefones (11)7810-5328 e (11) 97449-8496.