A importância do diagnóstico CORRETO em cavalos de esporte

Em nossa rotina clínica, observamos que os problemas mais comuns são agravados pela dificuldade em reconhecer os primeiros sinais que os cavalos demonstram. Nosso objetivo nesse artigo é dar alguns exemplos e algumas dicas para auxiliar na identificação do problema e na necessidade do auxílio de um Médico Veterinário para fazer um diagnóstico correto.

O motivo de grande parte da “queda de performance” provém de problemas físicos, que acabam alterando a funcionalidade plena e a biomecânica do cavalo. Quando o cavalo sente DOR em alguma região de seu corpo, ele começa a modificar sua movimentação, tensionando alguns grupos musculares e sobrecarregando outras estruturas. Geralmente o cavalo adota comportamentos na pista que são avisos de que algo não vai bem. Assim como: largava bem e agora não larga mais ou “rompe” na largada; “se joga” para dentro ou para fora, na reta ou na curva; atropelava na reta final e agora não mais o faz; ou o cavalo cruza o disco muito ofegante que pode ser por falta de preparo físico ou pelo motivo de dor. Ou simplesmente o cavalo deixa de confirmar o tempo que vinha fazendo.

Os cavalos de esportes são atletas, que assim como os humanos, necessitam de avaliações periódicas para tentar se manter longe de lesões que possam causar queda de performance. Para isso, são necessários exames clínicos de rotina, ortopédicos, físicos e laboratoriais, para que os problemas sejam identificados, diagnosticados e tratados a tempo, sem afetar o rendimento nas pistas, cumprindo o calendário de competições.

Segue a seqüência das avaliações em nossa rotina clínica:

  1. Exame físico: avaliação da musculatura do cavalo, simetria e proporções, atrofias ou hipertrofias, efusões sinoviais (aumento de líquido nas articulações), edema em tecidos moles, coloração de mucosa, hidratação, condições e equilíbrio dos cascos e ferraduras. Além disso observamos a atitude do animal, temperamento e expressão. A palpação da musculatura avalia os graus de tensões musculares que, quando presentes, são indesejáveis porque limitam a biomecânica dos cavalos, causam dor e predispõe a exaustão. A palpação é realizada em toda musculatura superficial do animal, e também pode dar indícios de que alguma articulação possa estar envolvida. Por exemplo, um cavalo pode estar com aumento de tensão muscular e dor na região lombar, e o problema primário estar no curvilhão ou boleto posterior.

Os cascos devem ser simétricos, sem distorções de talão, sola, ranilha ou parede; que vão influenciar diretamente na distribuição das forças que voltam para o animal causadas pelo impacto do casco no solo. Cascos assimétricos podem sobrecarregar os membros lateral ou medialmente, fazendo com que as estruturas articulares e de tecidos moles (músculos, tendões e ligamentos) sofram maior impacto (lateral ou medial, conforme a distorção) e com isso se predisponham a lesões. Cascos com excesso de talão ou cascos achinelados podem apresentar como consequência sobrecarga no aparato suspensório, podendo predispor a desmites, tendinites, problemas nos ossos sezamóides, e problemas ósseos articulares no boleto e articulações interfalangeanas, problemas envolvendo os ossos naviculares, calcificação de cartilagens alares, entre outros.

As ferraduras utilizadas também são muito importantes, pois elas podem ajudar ou interferir na biomecânica do cavalo, e consequentemente, evitar ou provocar lesões. Ferraduras muito curtas e estreitas nos talões podem trazer problemas indesejáveis.

As ferraduras podem ajudar os animais que apresentam problemas crônicos de tecidos moles ou ósseos, e são conhecidas como ferraduras terapêuticas.

As ferraduras de filete podem ser benéficas no dia da corrida, mas não são indicadas para   o uso contínuo nos animais. A médio e longo prazo causam distorções nos cascos e aumentam as sobrecargas de tendões, ligamentos e articulações.

  • Exame Clínico Ortopédico: palpações das articulações e estruturas de tecidos moles, conferência de calor localizado e testes de flexão passiva e ativa.

No teste de flexão passiva, as articulações são testadas com o animal parado. Por exemplo, flexões das falanges, boletos, carpo, cotovelo, ombro, coluna cervical, região tóraco lombar, quadril, articulações coxo femorais, femuro tíbio patelares, e curvilhões.

No teste de flexão ativa, flexiona-se por um minuto determinada articulação isolada, e logo após trota-se o animal em linha reta. As claudicações são classificadas em graus entre 0,1,2,3,4 e 5; onde no grau 0 o cavalo não manca, e grau 5 sendo o mais elevado da claudicação.

Em casos de claudicações não específicas, podem ser realizados bloqueios anestésicos perineurais e/ou intra articulares para regionalizar o foco da dor.

  • Exame neurológico: é realizado quando no exame clínico existe alguma suspeita de déficits neuro motores.
  • Exames Laboratoriais: podem nos auxiliar muito a manter um cavalo e fazê-lo chegar a alta performance. Hemogramas completos de rotina são úteis e grandes indicadores da condição atlética do cavalo. A relação dos valores hematológicos pode nos informar o que pode ser melhorado naquele animal. Assim como a série leucocitária pode sinalizar problemas sub clínicos de infeções bacterinas, virais e protozoárias, e assim podemos prever melhor a condição do cavalo para ser inscrito e treinado.

O hematócrito é uma mensuração importante, mas o resultado do exame isoladamente não traz muitas informações, ou pode dar falsos parâmetros. Por exemplo, um animal pode ter uma boa condição orgânica e estar desidratado, e com isso vai acusar o hematócrito alto. Para melhor interpretação é importante ter outros parâmetros hematológicos (como concentração de proteínas plasmáticas por exemplo). Um cavalo com babesiose pode apresentar no início da doença um hematócrito aumentado, que será um falso parâmetro, pois nesses casos o baço envia mais hemácias na circulação, como mecanismo de defesa.

Animais castrados tendem a ter hematócrito mais baixo quando estão em boas condições orgânicas, pois a reserva esplênica (do baço) é maior comparado aos animais inteiros. O baço é um órgão que funciona como um “banco de hemácias” e no cavalo esse órgão é mais desenvolvido do que em outras espécies de animais domésticos. É chamado de “dopping natural” devido a sua potência de rápida liberação de hemácias na circulação quando aumenta a necessidade de oxigenação muscular e aumento do batimento cardíaco. Também apresenta uma grande capacidade de sequestro de hemácias quando não são mais necessárias na circulação.

Em éguas esse parâmetro é variável. Geralmente éguas mais calmas tendem a ter um hematócrito mais baixo e as mais agitadas tendem a mais alto, principalmente quando entram no cio.

Os cavalos inteiros, pela ação da testosterona, ficam mais alertas e fisiologicamente necessitam de maior quantidade de hemácias circulantes.

Exames bioquímicos também auxiliam muito na avaliação e manutenção do atleta. Enzimas musculares, hepáticas e renais podem nos guiar na interpretação da condição atlética do animal.

  • Detecção de claudicações: após os exames físico e clínico, quando detectadas as claudicações, é realizado o diagnóstico por imagem. O Raio X e Ultrassom são os métodos mais utilizados em ortopedia equina no Brasil. Para casos mais complexos, já existe no país exames de ressonância magnética dos membros.

O raio x é o método mais utilizado e muitas vezes deve ser complementado com exame de ultrassom. No raio x nota-se patologias de tecidos ósseos (fraturas, artroses, cistos, osteófitos, processos proliferativos, exostoses, etc) e o ultrassom revela as patologias de tecidos moles (tendões, ligamentos, cartilagens, fibrocartilagens, cápsulas articulares, bainhas tendínias, bursas sinoviais, meniscos, músculos, e também a silhueta óssea).

Muitas vezes os achados radiológicos apresentam alterações nas inserções de ligamentos, que devem ser complementados através do exame ultrassonográfico.

O osso pode ter um tempo de cicatrização, e o ligamento aderido a ele pode ter outro tempo para cicatrização. Isso vai ter uma influência direta na escolha do tratamento, tempo para recuperação, ferradura a ser utilizada e método de reabilitação.

Endoscopia: nas corridas de cavalos, outro diagnóstico muito importante se dá através da endoscopia das vias aéreas, já que para esse esporte, para que os animais tenham o máximo rendimento, é necessário que tenham um bom desempenho cardio respiratório. Na esdoscopia avaliamos a funcionalidade das vias aéreas superiores e inferiores até a carina (início da ramificação brônquica). Vou citar alguns exemplos de patologias respiratórias que causam queda de performance: deslocamento dorsal de palato mole, hematoma etmoidal, hiperplasia folicular linfóide, hemiplegia laringeana (em vários graus), presença de muco nas vias aéreas superiores, traquéia e inferiores; infecções das bolsas guturais, alterações neurológicas da região, mudanças morfológicas congênitas ou patológicas; e a tão polêmica Hemorragia Pulmonar (que é classificada em graus entre 1 e 5).

A importância da rotina endoscópica nos cavalos de corrida além do diagnóstico de patologias e disfunções, é na detecção da hemorragia pulmonar na qual o sangue não se exterioriza pelas narinas, mas já é responsável por uma queda de rendimento atlético. Também para monitorar melhor os cavalos que já são diagnosticados como sangradores, que ainda podem ter uma carreira atlética de alto desempenho desde que diagnosticados, tratados e treinados adequadamente.


Imagem radiográfica de um colapso na articulação do boleto, resultado de infiltração com corticóide com lesões de tecidos moles (ligamentos). Mau prognóstico para o esporte. Nesse caso, o animal foi aposentado.

Imagem radiográfica de cisto subcondral no côndilo medial do fêmur. O tratamento é intra cístico, guiado por ultrassonografia, e o animal pode voltar às pistas.

magem ultrassonográfica do mesmo cisto no côndilo femoral da figura acima.
A imagem concluiu a possibilidade de tratamento intra cístico.

6)Terapias: A escolha do tratamento está diretamente ligada às conclusões do diagnóstico clínico e por imagem. Terapias sistêmicas com anti inflamatórios, relaxantes musculares, bifosfonados, condroprotetores, etc são muito utilizadas, de acordo com os problemas e prognósticos. Quando localizamos a estrutura que é o foco do problema, escolhemos o medicamento a ser utilizado e sua dosagem, dependendo do tamanho da articulação e da magnitude do problema. Infiltrações articulares são ferramentas muito úteis no tratamento, desde que o diagnóstico esteja claro. As medicações mais utilizadas nas infiltrações intra articulares são corticóides de baixa, média e longa duração associados ao ácido hialurônico. Essa terapia apresenta ótimos resultados em casos de artroses, sobrecargas, e outros problemas de origem óssea. Existem casos onde tecidos moles se inserem dentro das articulações e intrasinoviais, e nesses casos, quando esses tecidos se lesionam, o uso de corticóides intrarticular é contra indicado.

Um exemplo é a articulação do boleto, que possui várias estruturas de tecidos moles intra articulares (ramos do ligamento suspensor, ligamentos curtos, ligamentos cruzados, inserção proximal do ligamento reto, ligamentos colaterais profundos e ligamentos oblíquos sezamoideos). Caso alguma dessas estruturas esteja lesionada, a infiltração deve ser feita apenas com ácido hialurônico, pois o corticóide atrasaria a cicatrização, iria mascarar a dor e deixaria a articulação instável e vulnerável ao agravamento do problema e outras complicações. Os tecidos moles necessitam mais tempo para cicatrizar do que os tecidos ósseos que tenham indicação para tratamento com corticóides.

O tratamento dos tecidos moles envolve a utilização de gelo, massagens com produtos anti inflamatórios de alto poder de penetração, ferraduras ortopédicas, mantendo o cavalo com atividade controlada, apenas a passo, dependendo do grau da lesão e fase da cicatrização. O tempo estimado para completa cicatrização depende também do grau, tamanho e localização da lesão. Métodos de fisioterapia podem ser utilizados por profissionais capacitados para auxiliar e acelerar a cicatrização (shock wave, laser, ultrassom terapêutico, tens, campo magnético, etc).

Um grande problema nos tratamentos de tendões e ligamentos é quando não se respeita o tempo de cicatrização, utiliza-se produtos revulsivos e retorna-se o animal precocemente às corridas. Por isso que tendinites reincidivantes são incógnitas nessa modalidade esportiva.

Em casos de fraturas ósseas, o uso de corticóides também é contra indicado. Em alguns casos pode-se optar por cirurgia para retirada do fragmento, ou colocação de parafuso para estabilização da fratura, repouso, etc.

  1. Reabilitação: É tão importante quanto o tratamento. O retorno às pistas depois de obedecido o tempo de recuperação das lesões deve ser gradativo e controlado. Normalmente varia entre 1 a 6 semanas, ou mais, dependendo da gravidade das lesões. O protocolo de retorno geralmente se inicia com períodos ao passo engatado, depois tempos determinados de trote intervalado com passo, aumentando gradativamente. Ao final da fase de reabilitação, o animal já estará fisicamente preparado para receber seus primeiros treinamentos mais intensos.

Além de melhor rendimento do cavalo, o diagnóstico correto evita o aumento dos problemas físicos nos animais, as frustrações do treinador e proprietário, a perda de tempo e investimento em terapias inadequadas e medicações paliativas. E principalmente evita a diminuição do interesse e da motivação do animal pelo esporte, onde muitas vezes grandes talentos são desperdiçados no meio do caminho.

Colaboração: Dr. Irineu de A. Palmeira Filho, CRMV SP 7841, Médico Veterinário, integrante da EQX – Centro de Ortopedia Equina – Indaiatuba/SP