Retorno dos cavalos à atividade física

No artigo técnico da semana, o médico veterinário Thiago D’Angieri traz dicas sobre o retorno dos cavalos à atividade física, que vem acontecendo aos poucos no momento que vivemos. Confira!

Nos últimos dois anos o mundo vem vivenciando uma pandemia que mudou a rotina e a maneira de viver das pessoas. O isolamento social impediu que eventos públicos ocorressem, inclusive as provas equestres, que praticamente não ocorreram neste período. Devido a essa escassez de provas, muitos haras e centros de treinamento reduziram e/ou cessaram os trabalhos de seus animais, deixando-os em um período “descanso”.

Atualmente, com a vacinação contra o COVID-19 mais avançada, e uma de melhora da pandemia, temos a perspectiva do retorno das provas hípicas, e consequentemente o retorno aos treinamentos.

             Devemos considerar os cavalos como atletas, e ter ciência que eles quando voltam a treinar, são como jogadores de futebol em pré-temporada, e não vão conseguir de imediato exercer 100% de seu potencial. Hoje alguns dos grandes haras e centros de treinamento tem verdadeiras academias para preparar seus cavalos com esteiras de alta performance, hidroesteira, redondel com exercitador mecânico, infravermelho, Spa para crioterapia, etc. Além disso, contam com uma equipe composta de veterinários, zootecnista, agrônomos e treinadores altamente capacitados, que cuidam desde a nutrição individual de cada animal, cuidados com pastagens, treinamentos adequados e com a prevenção e cuidados de injúrias, para otimizar o tempo de preparo e atingir o máximo de desempenho de cada atleta.

Quando iniciamos, ou reiniciamos o treinamento de um animal, precisamos lembrar que não existe uma “RECEITA DE BOLO” para a preparação de um campeão, independente da raça ou modalidade disputada. A princípio precisamos levar em consideração que entre uma raça e outra existem grandes diferenças, desde a morfologia, fisiologia, tipo de fibras musculares, adaptação ao ambiente, aptidão etc. Que cada uma foi selecionada para enfrentar diferentes desafios, tendo necessidades, temperamento, resistência e tolerância distintas. E dentro de uma mesma raça, temos que levar em consideração o sexo, a idade e principalmente o INDIVÍDUO! Nem sempre o mesmo protocolo de exercícios, as mesmas embocaduras, os mesmos artifícios e ajudas vão surtir o mesmo efeito em diferentes cavalos. E quando já temos todos estes fatores definidos, é fundamental lembrar que os órgãos e tecidos que compõem o organismo do cavalo, não respondem aos exercícios da mesma maneira, que uns demoram mais a se adaptar ao trabalho e ao ganho de condicionamento, enquanto outros com menos tempo estão aptos a serem exigidos.

            Uma boa sugestão é variar a forma e intensidade de treinamento, nunca fazer em dias seguidos exercícios que trabalhem os mesmos grupos musculares, pois da mesma maneira de que quando vamos a uma academia, os animais no dia seguinte ao treinamento estão doloridos na região exigida e não vão ter o mesmo desempenho anterior, às vezes até se negando a cumprir o que está sendo pedido a ele. Devemos alternar entre treinos aeróbicos e anaeróbicos, e sempre que possível mudar o local do treino, para que o animal não condicione a, por exemplo, que cada vez que ele entrar em uma pista vai ser submetido a um estresse físico.

            Se na fórmula 1, onde se trata de máquinas com alta tecnologia e investimentos milionários, temos a variação de resultados de uma semana para outra, devido a diferença do tipo da pista, do clima, do piloto etc.  imagina que nos esportes hípicos, além de todos estes fatores, estamos lidando com um ser vivo com vontade própria, que mesmo estando bem treinado, no dia pode estar com alguma indisposição, dor, estresse, medo ou mesmo sem ânimo de trabalhar, o quanto os resultados podem variar de uma prova para outra.

            Uma frase que me marcou quando ouvi do colega de profissão e amigo, Silas Freire, e que sempre repito é: “O perfeito é inimigo do muito bom”. Ou seja, cada cavalo, é um ser único, com seu próprio limite e potencial, e quando queremos que todos atinjam o mesmo patamar de desempenho, podemos estar exigindo dele algo que ele não tem a nos oferecer, e podemos por a perder uma performance que já estava altamente competitiva.

            Desde criança acompanho meu pai, o Dr. Tioca, no treinamento de cavalos, e sempre escutei ele recomendar cuidado para “não virar o fio” no treinamento, termo caipira que ele usava com os peões e treinadores para conscientizá-los que o exagero durante a preparação de um animal, pode deixá-lo fora da prova. Ele sempre orientou treinos moderados, deixando o para exigir todo o potencial do cavalo no dia da competição.

            Extrapolando agora para outro importante setor da equinocultura, o de cavalos de passeio e/ou cavalgadas, as recomendações acima também são importantes.

Como além de veterinário e de preparar cavalos para competições, também sou adepto a cavalgadas e viagens à cavalo, ouço de vários amigos e companheiros deste meio o desejo de ter os animais cada vez mais “gordos e bonitos!”. E Muitos deles, na busca de baratear a dieta de seus animais utilizam rações sem balanceamento adequado, fontes de alimentos não especificas para herbívoros monogástricos, de alto valor energético para atingir este objetivo, e vale ressaltar que obesidade não é sinal de saúde para cavalos. Além disso, estes animais não tem atividades físicas com a frequência necessário para dar-lhes o condicionamento físico adequado, e na maioria dos casos passam quase todo tempo estabulados.  E um animal obeso e mal condicionado submetido a exercícios físicos estão mais susceptíveis a lesões, estresse e fadiga, que podem acarretar em danos maiores como cólicas ou laminites.

            Para finalizar acredito que o mais importante no treinamento e preparação de um cavalo, é o bom senso e a sensibilidade das pessoas responsáveis pelo mesmo, que elas priorizem o bem estar e a saúde do animal, e não os resultados!

            Colaboração: Thiago D’Angieri, médico veterinário, CRMV18299.