Os parâmetros hematológicos e bioquímicos durante o esforço físico podem proporcionar um mecanismo eficaz para a avaliação das possíveis anormalidades que possam provocar o baixo desempenho e as alterações na saúde dos equinos. Confira aqui algumas situações!
Pode ocorrer alteração na atividade plasmática de qualquer enzima por uma variedade de razões. As diminuições nas atividades enzimáticas plasmáticas em geral não são consequência de perda de atividade. Os aumentos ocorrem mais comumente por um defeito na integridade da membrana que contém a enzima. Este defeito pode ser consequente a ruptura parcial ou completa da célula ou a uma alteração na membrana que resulte em aumento transitório na permeabilidade.
Segue um breve entendimento de como podemos analisar e utilizar determinados ensaios laboratoriais como apoio no gráfico do desenvolvimento do cavalo atleta.
1)ENZIMAS MUSCULARES:
As enzimas de maior uso na avaliação do sistema muscular no equino são:
CREATINA QUINASE:
No equino, a creatina quinase (CK) é encontrada principalmente no músculo esquelético, no miocárdio e no cérebro.
Um aumento significativo na atividade da CK plasmática total deve-se a lesão muscular cardíaca ou esquelética. A CK não entra na corrente sanguínea diretamente depois da sua liberação pelas células musculares, mas transita através da linfa pelo líquido intersticial. Um aumento de três a cinco vezes na atividade de CK plasmática corresponde à miólise. A meia vida plasmática da CK no equino é muito curta (108 minutos aproximadamente).
ASPARTATO AMINOTRANSFERASE (AST):
A Aspartato Aminotransferase (AST) é encontrada principalmente no músculo esquelético, fígado e no coração, embora atividades mais baixas estejam presentes em vários outros tecidos. É, portanto, não específica para o tecido. Foram identificadas duas isoenzimas por eletroforese:
MAST (encontrada exclusivamente nas mitocôndrias) e CAST (originando-se do citoplasma ou sarcoplasma). A proporção de enzima citosólica paramitocondrial no soro equino é significativamente mais alta que a encontrada no homem e em muitos mamíferos.
No equino, embora a proporção destas duas formas varie entre tecidos, parece não haver especificidade de tecido para cada isoenzima. Assim, conclui-se que o exame de soros para atividade de isoenzima AST não pode identificar a fonte tecidual, embora seja improvável encontrar grandes aumentos de MAST no soro a menos que tenha ocorrido grave lesão muscular. Alguns pesquisadores relatam uma forma aparentemente única da enzima nos soros em casos de azotúria. A meia-vida de AST no equino é de 7 a 10 dias, bem mais longa que as 11,8 horas no homem.
LACTATO DESIDROGENASE (LDH)
A Lactato Desidrogenase (LDH) é um tetrapeptídeo constituído por combinações de dois peptídeos diferentes, H (coração) e M (músculo), que formam as cinco isoenzimas conhecidas como LDH1 a LDH5.
Da mesma maneira que a AST, a LDH é encontrada na maioria dos tecidos, sendo, assim, não específica do órgão. Contudo, os tecidos contêm quantidades variadas de isoenzimas LDH e o perfil isoenzimático, obtido por separação eletroforética, é usado para identificar lesão tecidual específica. Em sua maior parte, a LDH5 (mais alguma LDH4) é encontrada nos músculos locomotores, o fígado contém principalmente LDH3 (com alguma LDH4 e LDH5), o coração contém principalmente LDH1 (com alguma LDH2 e LDH3) e todos os tipos são encontrados em alguns músculos não-locomotores. Foi demonstrado que o treinamento físico aumenta a porcentagem de LDH1 a LDH4 e diminui a de LDH5 no músculo esquelético. Devem ser utilizadas amostras não hemolisadas para determinação da LDH, pois os eritrócitos contêm quantidades relativamente grandes de LDH.
2) EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO
Muitas alterações fisiológicas do equilíbrio ácido-básico podem ocorrer em cavalos normais quando iniciam a atividade física. Algumas não causam qualquer distúrbio clínico durante ou após o exercício. Outras provocam sérias limitações de performance, mesmo em cavalos normais. Os efeitos ácido-básicos são caracterizados por sua natureza em acidose ou alcalose e por sua origem em metabólico ou respiratório.
ACIDOSE METABÓLICA:
O exercício intenso provoca o desenvolvimento de acidose metabólica, primeiramente pelo acúmulo de lactato liberado durante a atividade muscular dentro da corrente sanguínea.
O lactato é produzido em todas as intensidades de exercício, mas começa a acumular em intensidades altas, pois sua taxa de produção passa a exceder a taxa de remoção para o plasma.
Em exercícios de alta intensidade, há insuficientes concentrações de enzimas musculares oxidativas para produzir adenosina trifosfato (ATP) suficiente, somente por via aeróbica para a manutenção da atividade. Esta limitação enzimática resulta em aumento da produção de ATP, via glicólise anaeróbica, com conversão de piruvato para lactato.
O acúmulo de lactato é um dos fatores mais importantes na limitação de performance. O acúmulo intracelular de lactato resulta em acidificação do meio celular do músculo. O cálcio, necessário para a interação actina-miosina, durante a contração muscular, é afetado pela acidificação do meio provocando distúrbios no complexo contrátil actina-miosina e fadiga muscular.
O limite anaeróbico ou o ponto em que começa a haver acúmulo de lactato sanguíneo pode ser determinado e é um bom indicador de aptidão atlética e forma física. Exercícios de menor intensidades, próximo ou abaixo do limite anaeróbico, provocam acidose metabólica menos severa, pois menor quantidade de lactato é acumulado. Exercícios de resistência são praticados abaixo do limite anaeróbico e, inicialmente não modificam o status ácido-básico com acúmulo mínimo de lactato. O limite anaeróbico para cavalos é usualmente descrito como aproximadamente 600 a 800 m/min com frequências cardíacas de 160 a 200 batimentos/min e concentrações de lactato de 4 mmol/L no plasma.
ALCALOSE METABÓLICA:
O suor contínuo durante o exercício de resistência prolongado provoca perda de potássio, cloreto e cálcio. Esta perda de cloreto (principal ânion sanguíneo) e de potássio (prontamente “substituído” pelo íon hidrogênio) resulta na retenção renal de bicarbonato compensatória, na tentativa de manter o equilíbrio aniônico normal e conservar o máximo de potássio possível. Como resultado se estabelece uma alcalose metabólica hipoclorêmica e uma acidúria paradoxal.
Estas modificações do equilíbrio ácido-básico têm importantes implicações no tratamento de cavalos exaustos, deve-se sempre dar preferência às soluções salinas isotônicas (com suplemento adicional de potássio e cálcio) ou solução de Ringer.
3) EQUILÍBRIO ELETROLÍTICO
HIPERCALEMIA:
Exercícios de alta intensidade (corrida), em cavalos normais, provocam elevação das concentrações plasmáticas de potássio para valores entre 8 a 10 mmol/L. Este pico de concentração de potássio no plasma retorna rapidamente a valores próximos do normal, 5 a 10 minutos após cessar a atividade. Exercícios intensos também resultam em aumento das
concentrações plasmáticas de sódio e proteínas totais. Em equinos da raça Quarto de Milha, os níveis elevados de potássio podem se manter por longos períodos após a realização do exercício, podendo ocorrer paralisia hipercalêmica periódica.
HIPOCALCEMIA:
Existem muitas causas de hipocalcemia em equinos, mas são comumente manifestadas clinicamente por intolerância ao exercício, flutter diafragmático e rigidez muscular que progride para tetania. Exercícios de resistência prolongados, algumas vezes promovem sudorese excessiva, hipocalcemia e intolerância ao exercício. Além disso, o cálcio ionizado diminui com alcalose, a qual é comum em atividades de resistência. A hipocalcemia também pode ser ocasionada por deficiência dos níveis de cálcio na dieta.
Como consequência da hipocalcemia ocorrem anormalidades musculares e nervosas.
Baixas concentrações de cálcio alteram a função contrátil da célula muscular normal, uma vez que o cálcio é constantemente requerido para tal atividade. Administração de gluconato de cálcio intravenoso é curativa nos casos de tetania, debilidade muscular e flutter diafragmático.
4) VARIAÇÕES HEMATOLÓGICAS
É sabido que, após exercício físico ocorre aumento na contagem de leucócitos totais. Este aumento, particularmente no número de neutrófilos, é resultado de diversos fatores:
1. Extração de leucócitos provenientes de diferentes órgãos (medula óssea, baço, fígado etc.) para dentro da corrente sanguínea, aumentando o volume circulante;
2. Substituição de leucócitos do “pool” marginal em resposta ao aumento de catecolaminas plasmáticas;
3. Estimulação da produção de neutrófilos por aumento de citocinas, como a interleucina 1. O exercício físico provoca um aumento transitório (algumas horas), nos níveis de catecolaminas plasmáticas, ACTH e cortisol em resposta ao estímulo do eixo hipotalâmicohipofisário-adrenal.
As catecolaminas provocam mobilização de eritrócitos e linfócitos do baço, enquanto o cortisol estimula a produção de neutrófilos e inibe a migração de granulócitos dos vasos sanguíneos para os tecidos.
A contagem total de leucócitos aumenta de 10% para 30% dependendo da intensidade e duração do exercício. O aumento não é tão dramático para os índices de células vermelhas (número de eritrócitos, hemoglobina, volume corpuscular médio). O aumento do hematócrito é também devido à variação de volume do plasma e está correlacionada ao aumento de intensidade do exercício físico. O stress em cavalos de enduro durante provas é associado com neutrofilia progressiva com desvio a esquerda e linfopenia. A persistência de tais parâmetros é sinal de exaustão.
Conclusão
Analisando esse breve estudo, chego a considerar que fica impossível avaliarmos a evolução de um equino atleta sem considerarmos seus parâmetros laboratoriais, considerando apenas a sua análise clínica.
Independentemente dos custos financeiros ou da logística de transporte dos materiais (soro sanguíneo) para os mais diversos laboratórios veterinários espalhados pelo Brasil, há de ter um claro entendimento da necessidade desse apoio laboratorial como uma ferramenta crucial para melhorar nosso trabalho. Assim poderemos não só evitar, as tão temidas, patologias decorrentes de excesso de exercícios (overtraining) como também sendo uma ferramenta de apoio para uma melhor escolha terapêutica e prognóstica.
Colaboração: Roberto Delort, médico veterinário, fone (11) 99989-7629 – site: www.delort.com.br