Para que treinar? Na teoria e na prática o cavalo deve ser considerado, com certeza, o melhor atleta do mundo animal. Cavalos não são bons pensadores ou lutadores, eles são bons corredores. Qualquer que seja a raça ou tipo de cavalo, eles são abençoados com a mesma estrutura básica e com os mesmos mecanismos fisiológicos básicos; portanto, todos eles têm o mesmo potencial de responder favoravelmente ao treino.
O desempenho de um cavalo, como por exemplo, o quão rápido ele corre ou o quão alto ele pula, é determinado pela sua habilidade natural e menos estendida ao nível de treinamento. A habilidade natural é determinada principalmente pelos genes que o cavalo herda dos pais. Nós não podemos fazer nada sobre os genes que um cavalo possui, uma vez que o animal já nasceu com eles, mas podemos fazer algo sobre o treinamento. Para alcançar o potencial genético para desempenho de um cavalo, seja este em um clube local de cavalgada ou o Derby, o animal precisa estar em boa aptidão física. Desde o estado de má forma física até o estado de boa forma.
O cavalo passa por uma metamorfose em sua forma, andar, aparência, e às vezes até mesmo a qualidade de vida. Qualquer que sejam os objetivos que queremos alcançar com eles, há muito a se ganhar quando se tem certeza de que eles estão em boas condições físicas para executar as tarefas. Competir com um cavalo em má forma física coloca cavaleiro e cavalo em risco, diminui as chances de sucesso e de competir próximas vezes.
Cavalos são grandes investimentos quando trata-se de dinheiro e tempo. Se seu objetivo é competir, a qualquer nível, vale a pena melhorar as chances do animal de completar suas tarefas sem arriscar colapso mecânico (falha da integridade física). Com isso, evitam-se, na melhor das hipóteses, altos gastos com veterinários e longos períodos de reabilitação; e na pior das hipóteses, a destruição do animal. Não há dúvidas de que treinar é uma arte, mas um pouco de entendimento sobre a fisiologia do cavalo pode ajudar qualquer um a aperfeiçoar sua própria arte.
Muito do que entendemos hoje sobre fisiologia do exercício de cavalos tem sido estabelecido nos últimos 20 ou 30 anos. Isto pelo resultado de um aumento do interesse científico e veterinário pela fisiologia do exercício, melhoramento nas tecnologias e disponibilidade de equipamentos, como por exemplo, esteiras de rápida velocidade. Essas esteiras permitem aos veterinários e cientistas estudarem os cavalos em situações controladas em que a velocidade, distância, declive, partida e condições ambientais podem ser reguladas. Além disso, com um cavalo se exercitando em uma esteira é mais fácil coletar amostras de sangue por meio de um cateter em uma artéria/veia ou mensurar o quanto de oxigênio o cavalo está utilizando. Procedimentos como esses são muito difíceis ou impossíveis de serem praticados a campo. Inevitavelmente, correr em esteiras não é o mesmo que correr em uma pista ou um trajeto, mas tem ajudado os cientistas a fazer grandes avanços no estudo de resposta aos exercícios e treinamentos em equinos. Muitos desses avanços podem ser facilmente aplicados ao manejo e programas de treino nos cavalos de competição com alto grau de sucesso. Enquanto a ciência não pode garantir um campeão, ela pode encurtar as probabilidades em nosso favor.
Quais são os objetivos do programa de treinamento?
– aumentar a capacidade do cavalo de se exercitar
– aumentar o tempo para a fadiga
– aumento da Força, Velocidade, Resistência, Habilidade
– diminuir riscos de lesões
Para melhorar o desempenho do cavalo, aumenta-se sua aptidão física. Isso pode ser feito exercitando regularmente o animal e aumentando progressivamente a sua carga de trabalho, para que com isso sejam vistas as respostas de treinamento necessárias. O segredo é saber qual o trabalho certo para cada tipo de esporte e quando se contentar com menos de 100% da aptidão física, para que se diminua o risco de ferimento que pode ocorrer por treinar pesado em longos períodos de tempo.
Também deve ser lembrado que diferentes tipos de treinamento requerem e desencadeiam diferentes respostas do corpo. Por este motivo, deve-se avaliar a necessidade do cavalo em melhorar, por exemplo, velocidade, força e capacidade aeróbica ou todos juntos. Muitas vezes, se faz necessário o julgamento de qual dessas habilidades é a mais importante a ser melhorada, uma vez que, nenhum exercício usa exclusivamente um tipo de habilidade e exclui as outras duas.
A Fisiologia do Cavalo e as Resposta dos Sinais Vitais ao Exercício
Como citado acima, um balanço no exercício do animal deve ser feito para que o equilíbrio do sistema continue certo e o animal não entre em colapso. Um controle sobre isso deve ser feito para que não ocorram certos danos graves à saúde do animal, como por exemplo, a síndrome de excesso de treinamento (Overtraining Syndrome). O animal usado em excesso e de maneira “errada” pode ser afetado tanto físico quanto psicologicamente. Alguns animais nessas situações se recusam ou ficam muito irritados na hora de praticar algum exercício por conta do estresse ou dor. Para ter o melhor controle disso, existem alguns métodos usados em diversos estudos científicos que são acessíveis a campo e ajudam a avaliar a aptidão física do cavalo.
Avaliação de frequência cardíaca
A frequência cardíaca, medida em batimentos por minuto, pode ser avaliada com o uso de um estetoscópio e um relógio ou o uso de um monitor digital específico para esse tipo de avaliação. Um aumento da atividade muscular ocorre quando o cavalo inicia uma atividade física. Para que ocorra a contração, os músculos precisam de energia. No início, essa energia é fornecida pela metabolização de combustíveis estocados no interior das células musculares. Quando cessados estes estoques de energia, o combustível passa a ser fornecido por outras áreas do corpo, como fígado, onde são trazidos às miofibrilas (feixe do fibramento muscular) pela corrente sanguínea sob a forma de glicose e de ácidos graxos livres (Secani & Léga, 2009; Silva, 2005).
A frequência cardíaca normal pode variar de acordo com idade (Holmes, Alps, 1967) ou raça (Hilwig, 1977; Fregin, 1982). Nos potros, a frequência cardíaca normal varia de 65 a 135 batimentos por minuto (Fernandes et al., 2004). Em Puro Sangue Inglês adultos, Larsson et al. (1988) definiu a taxa media de 42+-13 batimentos por minuto (bpm). Entretanto, alguns autores consideram a média de 30 bpm para cavalos adultos. O aumento da atividade cardíaca é normal até certo ponto. Quando muito elevada ou quando a frequência se eleva e demora muito tempo para voltar às taxas iniciais (tempo de recuperação), uma avaliação mais profunda deve ser feita por um médico veterinário. Esses podem ser indicativos de, por exemplo, um animal com muita dor ou doença cardíaca.
De uma forma geral, exercícios realizados com frequência cardíaca abaixo dos 150 bpm são considerados leves a moderados; os realizados entre 150 e 200 bmp são considerados submáximos e os acima de 200 bmp são máximos (HODGSOM E ROSE, 1994; EVANS, 2004)
Avaliação de ácido láctico
O ácido láctico é o resultado da via anaeróbica quando usada na produção de energia durante o exercício. Quando o ácido láctico está na corrente sanguínea, ele participa de algumas reações que resultam na produção de CO2. Com o aumento desse ácido no sangue, ocorre uma hiperventilação para eliminar o excesso de CO2 e compensar a chamada acidose metabólica. Além disso, o acúmulo de ácido láctico nos músculos pode causar dor. Existem alguns equipamentos no mercado que possibilitam a análise rápida da quantidade de ácido no sangue.
Avaliação de temperatura corporal
Quando o cavalo se exercita e usa energia há produção de calor. Há vários meios de se livrar do calor produzido durante o exercício, como convecção, evaporação, etc. O aumento da temperatura no músculo pode ser benéfico até certo ponto. Existem vários métodos para aferir (medir) a temperatura do cavalo e avaliar se o animal está conseguindo manter sua temperatura corporal em níveis normais (temp. retal normal = 37,2 a 38,2 graus centígrados), mas o mais simples e barato é pelo uso de termômetro de mercúrio ou digital encostando-se à parede retal. A importância da avaliação da temperatura nos equinos é o risco de estresse térmico.
O estresse térmico é a falta de habilidade do animal em dissipar (retirar) o calor em níveis suficientes para manter seu equilíbrio na temperatura corporal. A zona de conforto térmico de um cavalo, ou seja, a temperatura na qual ele se sente confortável é inferior à do ser humano. Isso significa que em um ambiente no qual um ser humano sente frio um cavalo pode se sentir agradável. Por isso é importante manter controle da temperatura e observar também alguns outros sinais relacionados ao calor quando exercitar o cavalo, como o suor excessivo mesmo após exercício.
Avaliação de frequência respiratória
A frequência respiratória é muito importante na fisiologia quando relacionada à ventilação e suprimento de oxigênio para os músculos. A ventilação aumenta quase que linearmente à velocidade de corrida. Cavalos Puro Sangue Inglês são capazes de aumentar a ventilação de 50-60 litros/minutos quando em descanso, para mais de 1800 litros/minutos em galope completo. A ventilação pode ser aumentada pelo aumento da frequência respiratória (respirações por minuto), volume corrente (profundidade da respiração em litros) ou ambos. Porém, a melhora na capacidade aeróbica (mais uso de oxigênio), tem tudo a ver com adaptações a nível muscular e cardiovascular. Surpreendentemente, não há quase nenhum melhoramento em capacidade de ventilação como resultado do treinamento. Isso é muito importante, pois pode afetar o desempenho do cavalo quando, por exemplo, o animal é deixado em ambiente sujo e com poeira. (Marlin & Nankervis, 2002).
Conclusão:
Com base nas análises feitas, podemos observar que a soma de todos esses parâmetros, quando realizada por um profissional apto nos dá uma boa capacidade de quantificar e qualificar o desenvolvimento da performance do cavalo atleta. Este monitoramento nos possibilita também desenvolver a estratégia de treino para poder aumentar a longevidade do animal em competições.
Colaboração: Daniel Arcaro Trevizam, médico veterinário (MT Vet. Clínica e Reprodução de Grandes Animais). Fone: (19) 97408-8222
foto: Perla W por Pixabay