Desde que se conhece por gente, Jorge Pascon afirma que esteve envolvido no meio dos muares, vendendo tropas para os quatro cantos do país. Usando da grande experiência e conhecimento de bons animais, além do comércio, se tornou criador e há mais de 20 anos é um dos poucos a investir na produção do Jumento Nacional.
“Titular do Sítio Lago Azul, na paulista Jaborandi, Jorge Pascon fez sua vida e criou seus filhos, com os muares. São muitas as histórias de importantes animais que passaram por suas mãos e quando o assunto é compra e venda de tropas, ele ressalta uma de suas especialidades: avaliar o animal à primeira vista. Entre os inúmeros clientes que possui, vários não conhece pessoalmente, pois negocia tudo por telefone e, com orgulho conta que garante a satisfação do comprador com a tropa enviada. Tamanho conhecimento e experiência o levaram à criação e hoje, aos 65 anos de idade, é referência quando se fala em Jumento Nacional.
“Posso afirmar que o Jumento Nacional nasceu aqui na região que vivo, com a família Junqueira, através do cruzamento do jumento italiano com os nossos jumentos aqui, resultando num animal muito resistente e forte, que, a princípio, era chamado Jumento Brasileiro, mas que depois ficou conhecido como Jumento Nacional. A raça nasceu para o transporte do café da nossa região para Ribeirão Preto em carroças, onde era embarcado nos trens. Apesar de não ter registro, é uma raça que se destaca pela rusticidade e qualidade, mas como eram muito caros, acabava ficando somente com os Junqueira mesmo. Passadas as gerações, eles não foram dando continuidade à criação”, relembra Pascon.
E o acaso acabou conspirando para que o comerciante se transformasse em criador do Jumento Nacional. Como havia vendido um burro da raça muito bom para o Mato Grosso, ficou sabendo pela própria família Junqueira, que o animal estava à venda em meio a uma tropa e foi atrás para recomprá-lo.
“Sabia que o vendedor só gostava de Jumento nacional dos bons e onde tinha uma jumenta boa ele dava o que não valia para manter seus animais. Como ele estava passando por dificuldades financeiras, seus animais foram parar na mão de um cunhado, que os colocou à venda. Então o Junqueira me avisou da tropa à venda e disse que, dos 20 animais oferecidos, tinha interesse em cinco, fomos os dois para lá então, adquirir a tropa. A hora que cheguei e vi aquela jumentada toda, fiquei louco e eu que era o pobre acabei comprando os 15 restantes. Assim iniciei a minha criação, e decidi buscar vários animais bons que havia vendido para formação da tropa. Fui até o Paraguai buscar um jumento que conhecia e era dos bons, que está até hoje comigo”, conta.
Sendo a rusticidade o seu maior diferencial, o criador conta que o Jumento Nacional produz mulas e burros muito fortes e resistentes. Passando o tempo as pessoas começaram a ver que a raça produz animais bons demais e dependendo do cruzamento feito, nasciam ótimos animais para cada segmento. “Colocando com as éguas Quarto de Milha, os produtos saem muito bons para o Laço ou Team Penning, já com as éguas marchadoras, são destinados às provas de marcha, além de serem ótimos para o trabalho. Para você ter uma ideia, onde se tem cinco burros trabalhando com apenas dois produtos do Jumento Nacional fazemos o mesmo serviço”.
O início da criação foi há 20 anos e hoje Pascon possui 50 jumentas criando. “Deu certo, me tornei conhecido e, hoje, quem quer comprar Jumento Nacional sempre acaba passando por aqui, mesmo porque são poucos os criadores existentes na raça”. Com produtos vendidos por todo o Brasil, o criatório também recebe interessados de outros países, como alguns colombianos que foram conhecer a raça este ano. “Eles gostaram muito e só não levaram porque a fronteira do país é fechada para a entrada de animais”.
Segundo o criador, o Jumento Nacional possui uma morfologia diferenciada, é muito bonito e só perde para o Pêga na orelha, que é mais curta. “Agora de resto ele bate em tudo, tem uma abertura grande de peito e sentimos a diferença já quando montamos numa mula produto do Nacional, inclusive a Doma, é muito mais fácil neles”.
Como os filhos Jorginho e Rildo são praticantes da modalidade Laço em Dupla e Team Penning, Pascon conta que comercializa muitos animais já prontos para ambas modalidades, além de ter vendido grandes mulas que são destaques até hoje em provas de marcha. “Uma delas é a Rainha, vendida para o Fernando Morais, que ganhou inúmeras provas. Vendi outra para o Tércio Barnabé, de Indaiatuba, que ele tem até hoje, e lhe deu o primeiro título dentro de Uberaba, em 92. Também saiu daqui grandes mulas para o Gigio Biasetto, como a famosa Aliança”.
Animais marcantes
O jumento Guarup, hoje com 22 anos, é o animal que marca a história da criação do Sítio Lago Azul, sendo até hoje um dos reprodutores do criatório. Ele foi o animal que Jorge Pascon foi buscar no Paraguai para iniciar sua criação. Apesar de não ter ideia de quanto ele já produziu, afirma que dá para fazer uma média, já que nasceu cerca de 30 a 35 animais por ano.
“Não é fácil criar jumento, ele é muito melindroso e todos os cuidados são necessários para não perdê-lo. Também é difícil enxertá-lo e pegar cria. A maioria que nasce eu vendo, só seguro um pouco mais as jumentas para dar continuidade à produção, mas como já tenho filhas parindo, comecei a vender algumas delas também. Mesmo sem registro, a raça se mantém, porque quem conhece o Jumento Nacional, não troca por outro”, disse o criador.
Amansador de burro que sempre trabalhou no lombo de um muar, Pascon lembra com emoção a história de um animal que deixou saudades. Gaúcha é o nome dela, considerada uma relíquia na vida do muladeiro. Conhecedor de um bom animal só de olhar, ele bateu os olhos na Gaúcha e já sabia de suas qualidades. Comprou-a em Pitangueiras e lembra que chegou no seu fusquinha 67 azul para perguntar sobre ela ao homem que a montava.
“Ele trabalhava para o Nelson de Melo, criador dos melhores, de quem adquiri a Gaúcha. Quando cheguei com as trais no carro para pegá-la, o homem que trabalhava com ela não acreditou e percebi o quanto ele sentia sua venda. Montei nela em Pitangueiras e vim para Jaborandi num prazer louco. Parei em Viradouro para comer um sanduíche de mortadela e com um cigarro na boca vim para casa, cheio de satisfação. Peguei a mula para lida, numa boiada que ninguém pegava e fiquei 42 dias com ela amarrando boi. Ela era difícil, mas muito boa”, conta.
Nesta época, chegou um homem do governo dizendo que havia um coronel de Botucatu que pediu para ele comprar 10 animais de primeira. “Eu avisei que sairia caro, ele disse que não importava, pois o homem era de muita confiança. Todo o dinheiro que eu tinha usei para comprar as tais mulas, arrumei os animais e esperei o homem que não chegava nunca, foi quando fiquei sabendo que ele havia morrido. Aquilo me deu uma dor no coração, pois não sabia o que fazer com aquelas mulas e ter de volta o dinheiro que investi. Foi quando chegaram dois homens em casa querendo uma tropa boa, pedindo para ver os animais que eu tinha. Eram 11 mulas e a última ser montada foi a Gaúcha. Quando ele colocou o arreio nela, meu coração bateu forte, não gosto nem de lembrar. Ele já sabia o preço e levou toda a tropa, inclusive a Gaúcha”.
Só que Jorge não parava de pensar nela, passaram-de uns dias, decidiu procurá-la para comprar de volta. A pessoa para quem vendeu não queria falar onde ela estava, mas Pascon descobriu e foi atrás. “Achei a Gaúcha novamente, trabalhando com boiadas. Falei que queria comprá-la e o proprietário, que era muito rico, percebeu o quanto eu gostava dela. Então, disse que não queria dinheiro, era só eu trazer uma vaca leiteira que a entregava para mim. Voltei pra casa rapidinho para comprar a vaca mais linda e poder ter a minha Gaúcha de volta. Fui buscá-la com a caminhonete de u, amigo açougueiro emprestada, numa viagem e tanto, com quebra do carro, mas nada me incomodava, pois estava com a Gaúcha de volta”.
E não foi desta vez que ela ficou com Pascon. Na venda de outra tropa, o comprador, que era muito bravo, ficou sabendo que o tropeiro tinha uma mula muito boa, a Gaúcha. Quando a conheceu falou que só levava a tropa de burros encomendada, se a mula fosse junto e lá se foi a Gaúcha novamente.
“Ai não teve jeito, isto tudo aconteceu num prazo de pouco mais de um ano. Cheguei a ir atrás dela novamente e, quando a encontrei, o filho de seu novo proprietário a montava. Perguntei pelo proprietário e ele disse, o que o senhor quer com ele. Eu respondi, comprar a Gaúcha, na qual ele estava montado. A resposta foi clara, pode voltar, pois ela não está à venda. Percebi que não iria mais tê-la. E até hoje nunca mais tive outro animal igual a ela”, lembra com os olhos cheio de água.
Os animais são a vida de Jorge Pascon. Amansando burros e domando tropas criou seus filhos e pode conquistar tudo que possui hoje. Seus filhos seguem o mesmo caminho e no dia que passamos no sítio já vimos os netos também na lida, o que significa que, se depender da família Pascon, o Jumento Nacional vai continuar vivo, por muito tempo!”
*Nosso #tbt de hoje traz a matéria publicada na Revista da Marcha em abril de 2015